domingo, 12 de junho de 2011

LUIZ CARLOS MARQUES DA SILVA

"e, apontando com o dedo, ele me falava de um lugar chamado o fundo do poço. um lugar sem lugar, porque, aonde quer que fosse, o fundo do poço o esperava à sua frente, e ainda o perseguia. no fundo do poço havia faca, bala, porrada, e o mais que havia, como fome, doença, trapos, era feito nos moldes da falta. quando se livrava aqui de uma delas, era para encontrá-la de novo ali, sem demora, à espera, mas tão às claras que nem emboscada havia. e ele me falava que, no fundo do poço, só havia amizade ao preço de uma guimba de cigarro, de um trago de cachaça, de uma ponta de pão mesmo que dormida, fora disso, sem um preço a ser pago, nada de amizade havia, já que a própria amizade só havia na duração do preço que a pagava, não mais do que isso. era do fundo do poço que ele me falava. e ele me falava que, no fundo do poço, era preciso manter a dignidade, manter a mente em seu devido lugar, saber apanhar sem querer revidar, saber dormir onde quer que fosse (chegando a tanto fazer se seria lá ou aqui que iria sonhar), aprender a se camuflar de fumaça, asfalto, lixo. e, com seu bafo de nicotina e tabaco, acrescentando que cada um tem sua cruz, ele, a dele, eu, a minha, ele me falava que, no fundo do poço, pouco importava a já mínima vontade, mas o único e exclusivo gesto, o de amar – ao ponto de não se sentir incomodado em ter seu fundo do poço contrabandeado para este evento na cobertura em que estávamos, onde iria dormir no chão, ao lado do artista que o trouxe, de frente para o mar, na qual, trazendo-nos o fundo do poço, ele me falava."

Alberto Pucheau

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